Alcançando a Graça do SENHOR

A graça, o favor do SENHOR permeia toda a Sua criação; mesmo desde antes do princípio ela já era perceptível por meio do Cordeiro sem mácula que já era conhecido (1 Pedro 1:20), que foi morto desde o princípio (Apocalipse 13:8) e manifestado na plenitude do tempo (Gálatas 4:4) para salvação de todos os homens (Tito 2:11).

Sendo assim nós vemos uma atuação ativa e presente dessa graça em um crescente de manifestação e revelação desde o princípio dos tempos e que alcança a sua plenitude em Cristo sendo então superabundante … graça esta que nas Escrituras é apresentada na alegoria de um rio (de graça e favor) que flui desde os milênios iniciais da criação, alcançando o seu pico no final do quarto milênio da história humana, na cruz de Cristo, segundo as Escrituras; e sendo assim representado no rio de Ezequiel 47 que começa como um rio de águas pelos tornozelos, no primeiro milênio, até chegar a um rio que não se podia atravessar, porque as águas de graça tinham crescido … águas profundas de graça que se deviam passar a nado e que trazem restauração e vida aos homens (representados no texto como árvores nas margens e como peixes no rio).

Nisso muitos ainda se questionam …, então como posso saber que alcançamos essa Graça diante de Deus?! Uma resposta clara a essa pergunta é vista em detalhes ainda muito antes de Cristo; curiosamente logo após a entrega da Lei no Sinai, como se pode perceber neste diálogo entre Deus e Moisés …

Pois como se há de saber que achamos graça aos Teus olhos, eu e o Teu povo? Não é, porventura, em andares conosco, de maneira que somos separados, eu e o Teu povo, de todos os povos da terra? Disse o SENHOR a Moisés: Farei também isto que disseste; porque achaste graça aos Meus olhos, e Eu te conheço pelo teu nome.” (Êxodo 33:16,17)

Observando esse diálogo podemos concluir que você sabe que encontrou Graça diante de Deus quando o SENHOR anda conosco, em nosso meio, quando o Seu Espírito habita em nós, quando somos separados para Deus ( tornados santos, “chamados para fora” ) dentre os demais povos da Terra e quando o SENHOR nos conhece pelo nome, ou seja, quando temos um relacionamento pessoal com Deus.

Tudo isso, já comunicado para Moisés e o povo de Israel ainda no Êxodo, cumpre-se em sua plenitude por meio de Cristo, onde a Sua morte e ressurreição nos permite “nascer do Alto”, tendo agora o Espírito de Deus habitando em nós, sendo justificados e separados como povo Santo ao SENHOR e com nossos nomes individualmente escritos no Livro da Vida!

As Escrituras são harmônicas ao apresentar a Graça ao homem, desde o Pentateuco até o último livro de Revelação … a Graça veio gradativamente se apresentando desde o início dos tempos até superabundar por meio de Cristo e encher todas as coisas (Efésios 4:8-10). Não por acaso o último livro e capítulo das Escrituras afirmam …

O Espírito e a noiva dizem: Vem! Aquele que ouve, diga: Vem! Aquele que tem sede venha, e quem quiser receba de graça a água da vida. … A graça do Senhor Jesus seja com todos!” (Apocalipse 22:17,21)

Seja você também agraciado pelo SENHOR por meio de Cristo!

Que o SENHOR lhe abençoe grandemente! 🙏❤️

Purifiquemo-nos …

O que Paulo busca exortar quando escreve …

purifiquemo-nos de toda impureza, tanto da carne como do espírito, aperfeiçoando a nossa santidade no temor de Deus.” (2 Coríntios 7:1)

Para compreender melhor, antes vamos analisar dois termos usados nesse texto e a forma como são utilizadas:

– o termo “purifiquemo-nos” usa a palavra grega καθαριζω “katharizo” que significa: tornar limpo, limpar de mancha, livrar da contaminação do pecado.

– o termo “impureza” usa a palavra grega μολυσμος “molusmos” que significa: contaminação [pelo pecado].

Quando Paulo faz essa admoestação: “purifiquem-nos”, ele está fazendo uso do que é conhecido na gramática grega como “subjuntivo exortativo ( volitivo )”, uma forma comumente usada para exortar a si mesmo ou a alguém associado e é utilizada “para chamar alguém a unir-se com o emissor, no caso Paulo, em um curso de ação sobre o qual ele já tem decidido”. Sendo assim, Paulo estava exortando a igreja para seguir a mesma prática que ele já empregava sobre si mesmo, pois muitas vezes Paulo recomenda que eles o deveriam imitar da mesma forma como Paulo imitava a Cristo ( vide 1 Coríntios 11:1 ).

Agora o contexto nos ajuda a entender sobre quais contaminações do pecado a que se refere. Observando os textos de 2 Coríntios 6:14-18, Paulo lembra que todo cristão é agora o Templo do Espírito Santo, ou seja, o Espírito Santo habita em nós ( vide também 1 Coríntios 3:16,17 e 1 Coríntios 6:15-20 ) e sendo assim Paulo nos exorta contra os pecados da imoralidade sexual ( por isso o uso do grego πορνευω “porneuo”, que remete a fornicação, adultério, pornografia e outros pecados de natureza sexual ilícita ) e da idolatria … pecados esses muitos comuns na época devido a cultura pagã existente, mas não tão distinto do que vemos hoje também em nossos dias.

Quanto a carne, Paulo escreve que “aquele que pratica a imoralidade peca contra o próprio corpo” (1 Coríntios 6:18b) e isso fala diretamente da impureza contra a carne. Assim como quando duas pessoas se unem sexualmente e se tornam uma só carne, nós somos um espírito com o SENHOR visto que estamos unidos a Ele; dessa maneira todo pecado que atenta contra o corpo, também atenta contra o Templo do Espírito Santo e por isso está escrito …

Ou não sabeis que o homem que se une à prostituta forma um só corpo com ela? Porque, como se diz, serão os dois uma só carne. Mas aquele que se une ao SENHOR é um espírito com Ele. Fugi da impureza.” (1 Coríntios 6:16-18)

A idolatria é também uma forma de prostituição, visto que temos apenas um SENHOR e estamos unidos e comprometidos com Ele, no momento em que um ídolo toma o lugar do SENHOR é como se um adultério estivesse ocorrendo, mas nesse caso não na carne, mas no âmbito espiritual. Por isso o contexto de 2 Coríntios 6:14-18 enfoca o problema do cristão querer viver como que “em sociedade da justiça com a iniquidade”, “em comunhão da luz com as trevas” … e por isso a pergunta de Paulo “Que ligação há entre o santuário de Deus e os ídolos?” ( 2 Coríntios 6:16 ).

Não por acaso Paulo também escreve …

Pois esta é a vontade de Deus: a vossa santificação, que vos abstenhais da prostituição; que cada um de vós saiba possuir o próprio corpo em santificação e honra … porquanto Deus não nos chamou para a impureza, e sim para a santificação. Dessarte, quem rejeita estas coisas não rejeita o homem, e sim a Deus, que também vos dá o Seu Espírito Santo.” (1 Tessalonicenses 4:3,4,7,8)
 
Em suma, como somos Templo do SENHOR e Ele habita em nós por meio de Seu Espírito, somos instados a viver uma vida santa ( vide 1 Pedro 1:15,16 ) e isso em todo o nosso ser … corpo, alma e espírito ( uma inferência indireta as três áreas do Tabernáculo: Pátio, Lugar Santo e Lugar Santíssimo ) … por isso as ênfases contra o pecado da imoralidade e da idolatria ( e vale lembrar que há múltiplas formas de imoralidade e múltiplas formas de idolatria que não apenas de ídolos de madeira ou barro, também a avareza é chamada de idolatria em Colossenses 3:5 ); pecados estes que contaminam o corpo e se estendem até o espírito; por isso está escrito …
 
O mesmo Deus da paz vos santifique em tudo; e o vosso espírito, alma e corpo sejam conservados íntegros e irrepreensíveis na vinda de nosso Senhor Jesus Cristo.” (1 Tessalonicenses 5:23)
 
Essa busca pela santidade é um processo que é aperfeiçoado por meio do temor do SENHOR ( 2 Coríntios 7:1b ) e requer a nossa ação direta, porém não de forma solitária e por nossas forças somente, do contrário iremos fracassar; esse processo requer a nossa ação por meio da força do Espírito Santo que nos capacita e educa, visto que de Deus somos cooperadores e não devemos assim receber a graça de Deus em vão ( vide 2 Coríntios 6:1 ), como também está escrito …
 
Porquanto a graça de Deus se manifestou salvadora a todos os homens, educando-nos para que, renegadas a impiedade e as paixões mundanas, vivamos, no presente século, sensata, justa e piedosamente” (Tito 2:11,12)
 

Porque, se viverdes segundo a carne, caminhais para a morte; mas, se, pelo Espírito, mortificardes os feitos do corpo, certamente, vivereis. Pois todos os que são guiados pelo Espírito de Deus são filhos de Deus.” (Romanos 8:13,14)

Que o SENHOR lhe abençoe! 🙏🖖

Fé Genuína

A fé genuína ( em hebraico אֱמוּנָה, emunah ) tanto “vê o que é invisível” ( 2 Coríntios 4:18, “não atentando nós nas coisas que se vêem, mas nas que se não vêem; porque as que se vêem são temporais, e as que se não vêem são eternas” ) quanto compreende que a forma atual deste mundo passará” ( 1 Coríntios 7:31 ). Observe pela figura deste artigo que o termo “emunah” pode descrever tanto crença quanto fidelidade/firmeza, por isso que no hebraico a primeira menção do termo ocorre em Êxodo 17:12 quando fala das “mãos firmes ( ‘emuwnah )” de Moisés e por isso que no termo correlato grego, que é pistis “πιστις”, na relação das virtudes de Gálatas 5:22, algumas versões bíblicas colocam “” e outras “fidelidade” como sendo a virtude mencionada, visto que no grego o termo possui significados similares ao hebraico.

O que isso implica é que a fé verdadeira não reflete unicamente uma crença ou convicção de verdade “vazia” em si mesma, ou seja, uma fé genuína reflete firmeza e fidelidade àquilo que se crê. A manifestação de uma fé verdadeira começa por uma crença, uma convicção da verdade de algo, e porque essa convicção é real, naturalmente seguem-se ações que demonstram firmeza e/ou fidelidade ao que se acredita. Em termos bíblicos, esse conceito pode ser observado nos ditos de Tiago … “Assim, também a fé, se não tiver obras, por si só está morta.” ( Tiago 2:17 ).

Dessa forma, a fé verdadeira vai além de uma mera “crença” vazia, ela necessariamente é seguida por ações de fidelidade, firmeza e confiança que confirmam a sua crença original e assim ela descansa na mão providencial de Deus sobre o caos e o fluxo da criação. Os olhos da fé contemplam a presença de Deus e o Seu reinado sobre todos os assuntos deste mundo. Na verdade, é apenas através da fixação de nossa esperança sobre o que é eterno que nós somos capazes de apreender, com a devida razão, a natureza do próprio mundo temporal. Na verdade, a palavra emunah ( אֱמוּנָה ) compartilha da mesma raiz que a palavra hebraica para verdade ( אֱמֶת, emeth ), isso reitera que a “fé verdadeira” é confirmada pela fidelidade e firmeza à crença que a originou.

Nesse sentido “ver pelos olhos da fé“, “ver o que é invisível” é um tipo mais fundamental de “visão“, já que a fé percebe além do que se pode enxergar com os olhos naturais, ela se baseia na verdade da Palavra de Deus para poder “ver” o que é eternonossa esperança descansa naquEle que nos é “invisível”, o nosso Pai Celeste, o qual Se revelou através do Seu Filho e que testifica essas verdades em nosso espírito através do Seu Espírito que agora em nós habita.

Louvado seja o SENHOR!!! 🙏❤️

Uma Pergunta, Um Lamento que Suscita Uma Resposta

Em vez de considerar a Bíblia apenas como um “Livro de Respostas” para as nossas perguntas, vale a pena pensar nela também como um “Livro de Perguntas” para as nossas respostas. Eu explico … quando nós a ouvimos, Deus nos questiona para que possamos conhecê-lO por meio do diálogo que ocorre dentro de nossas mentes e corações.

Como qualquer bom professor sabe, quando um estudante luta fervorosamente com uma pergunta, ele aprende ainda mais do que se lhe fosse dada uma resposta clara. Da mesma forma, o SENHOR nos permite ficarmos, por vezes, sem respostas claras para que possamos então estar livres para buscar, lutar, e “alcançar” o entendimento e a compreensão por meio de nosso relacionamento com ELE … assim, o nosso aprendizado será baseado em uma experiência real, substantiva e nascida da urgência de nossa própria necessidade interior.

Não é segredo algum que perguntas bem elaboradas e de qualidade por si só já indicam o caminho para uma resposta correta … um exemplo claro disso você pode observar nas pesquisas do Google, onde a qualidade da resposta que se procura está diretamente relacionada a qualidade dos termos usados para definir a busca que é feita … quanto melhor a escolha dos termos e da pergunta, melhor o resultado alcançado.

Na verdade, a primeira pergunta de Deus para o homem é sempre, em hebraico: אַיֶּכָּה ” ayekah “; “Onde você está?” ( vide Gênesis 3:9 ), a qual apela para reconhecermos como nós nos escondemos da verdade, que é o próprio SENHOR. “Onde está você?” é o chamado pungente do Pai buscando por seu filho perdido … e não deixa de ser importante você saber também que o termo em hebraico para essa pergunta … אַיֶּכָּה ” ayekah “; “Onde você está?”também pode ser compreendida como um grito de lamento, como pode ser visto em Lamentações 1:1, 2:1, 4:1 ( onde o termo com as mesmas letras no hebraico: אֵיכָה֙ ” ’êḵāh ; expressa um lamento de profunda dor: “Ahhh, ai … ai … ai …, como?!” ). O mesmo termo usado como pergunta por Deus de onde estava o homem, também é o mesmo termo que denota a tristeza de um Pai que entende a gravidade do que ocorreu e, em meio a uma dor e angústia lancinantes, devido a queda do homem e o seu pecado. Um grito de dor e lamento pela loucura que cometeu o seu filho ( Adão ), profundamente amado, que então expressa “Ai, ai, ai!!! Como?! Por que Adão?!”.

Quando entendemos isso em toda a sua abrangência e ouvimos o lamento e o questionamento de nosso Pai celeste, percebemos o quanto somos amados e então essa questão se torna “apropriadamente nossa“…, quando estamos dispostos a olhar como viemos a estar neste lugar atual de dor e desespero de nossas vidas e nos pegamos nos perguntando: “Que loucura eu fiz?! Onde estou e como cheguei aqui?!”, é porque estamos próximos da resposta e da solução. A pergunta e o profundo lamento de Deus que ecoa ao nosso coração é para nos levar para fora do “nosso esconderijo” para responder ao Seu chamado de amor por meio de Seu Filho, pois em Deus está a solução, a cura, a salvação e a redenção de que precisamos desesperadamente, como está escrito …

De longe se me deixou ver o SENHOR, dizendo: Com amor eterno Eu te amei; por isso, com benignidade te atraí.” (Jeremias 31:3)

Porque a tristeza segundo Deus produz arrependimento para a salvação, que a ninguém traz pesar; mas a tristeza do mundo produz morte.” (2 Coríntios 7:10)

Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo para remissão dos vossos pecados, e recebereis o dom do Espírito Santo. Pois para vós outros é a promessa, para vossos filhos e para todos os que ainda estão longe, isto é, para quantos o SENHOR, nosso Deus, chamar.” (Atos 2:38-39)

Ouça a Palavra de Deus e responda hoje ao chamado de amor eterno do SENHOR, encontre a redenção por meio de Cristo e seja grandemente abençoado!!! 🙏❤️

Satanás …, um servo obediente ou um rebelde?!

Aos que acreditam que Satanás não caiu, mas que ele é apenas um “servo fiel” do SENHOR cumprindo somente com as suas “funções” e “ordens” por Deus assim designadas e, sendo assim, sem cometer rebeldia alguma … ( ficou surpreso com essa alegação?! saiba que existem muitos que acreditam assim ) … vale então lembrar deste texto … um entre muitos sobre esse tema …

… não se ensoberbeça e caia na mesma condenação em que caiu o Diabo.” (1 Timóteo 3:6b)

Pense com cuidado por um momento … o Justo Juiz não condenaria alguém por apenas realizar a “função” que lhe foi incumbida, visto que seria um completo contra-senso julgar e condenar alguém por fazer apenas o que lhe foi ordenado e que lhe era designado … ainda mais se todas essas ordens partiram do próprio Justo Juiz, como alegam alguns. A própria situação de um Juiz sentenciar a condenação de um indivíduo por algo que esse mesmo Juiz designou e ordenou que o indivíduo fizesse já seria evidência por si de grave injustiça, algo impossível de se atribuir ao SENHOR Deus, que é o único Justo Juiz!

Portanto, segundo o texto de Paulo, o fato de Satanás ser condenado e de ter incorrido no erro da soberba e da arrogância ( entre outros ), implica naturalmente que muitos textos referentes a sua queda e sobre o seu orgulho, arrogância e rebeldia, a exemplo dos textos dos profetas Isaías e Ezequiel, realmente referem-se a Satanás e, sendo assim, não são apenas “interpretações erradas” sobre meros “reis” e “impérios” como alegam alguns que acreditam e interpretam que Satanás é apenas um “servo” que está cumprindo as suas “funções” e ordens divinas.

Conheço e compreendo a complexidade e os problemas gramáticos existentes no hebraico desses textos dos profetas, principalmente na forma de escrita de Ezequiel, mas a Bíblia, como neste texto de Paulo, reitera a conclusão sobre a queda de Satanás, a despeito do que muitos acadêmicos e outros buscam refutar por meio de questões gramaticais discutíveis e alegados problemas de “alegoria” … eu prefiro acreditar em Paulo do que em interpretações equivocadas por questões técnicas que são duvidosas, pois acredito que Paulo sabia bem do que falava e tinha base para isso. Além disso, o apóstolo Pedro aborda indiretamente essa mesma questão quando também escreveu …

Ora, se Deus não poupou anjos quando pecaram, antes, precipitando-os no inferno, os entregou a abismos de trevas, reservando-os para juízo” (2 Pedro 2:4)

Eu entendo que alguns alegam que os anjos citados por Pedro seriam apenas “homens em posição de autoridade”, tirando o foco da questão celeste e negando assim que seres angelicais tivessem a possibilidade de pecar, porém o contexto do texto, aliado com a referência da carta de Judas e de textos da cultura judaica da época, como os encontrados em Qumran, acabam por refutar com riqueza e multiplicidade de evidências essas alegações vazias e distorcidas, visto que Pedro reitera que seres angelicais efetivamente pecaram e por isso foram sentenciados para condenação, concordando assim com as palavras de Jesus quando disse …

Então, o Rei dirá também aos que estiverem à Sua esquerda: Apartai-vos de Mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos.” (Mateus 25:41)

Se Satanás e os seus anjos fossem apenas “servos do SENHOR” que apenas lhE obedecem, como acreditam erroneamente alguns, não haveria a necessidade de prende-los ( vide Jd 1:6; 2 Pe 2:4; Ap 20:1-3 ), bastava ao SENHOR lhes dar uma ordem … a prisão, assim como o Lago de Fogo que lhes foi reservado ( vide Mt 25:41 ), apenas evidenciam com clareza o pecado e a rebelião destes. Quando filhos se corrompem e se deterioram à rebeldia, já não são mais filhos, apenas manchas ( vide Dt 32:5 ). Aqui um texto das Escrituras que claramente evidencia os fatos anteriormente citados …

e a anjos, os que não guardaram o seu estado original, mas abandonaram o seu próprio domicílio, Ele tem guardado sob trevas, em algemas eternas, para o juízo do grande Dia” (Judas 1:6)

Além destes dados, há mais uma clara evidência da rebeldia de Satanás citada por Jesus quando se referiu sobre ele ao interpelar seus acusadores …

Vós sois do diabo, que é vosso pai, e quereis satisfazer-lhe os desejos. Ele foi homicida desde o princípio e jamais se firmou na verdade, porque nele não há verdade. Quando ele profere mentira, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso e pai da mentira.” (João 8:44)

Desses “mestres” que afirmam que Satanás apenas cumpre ordens e que não se rebelou ou foi arrogante, eu quero mais é distância dos mesmos quando tratam dessa questão … sei que a abrangência da ação de Satanás é limitada pelo SENHOR, como observado em Jó e em outras passagens, mas isso é assim para evitar que o mesmo faça danos irreparáveis aos bons propósitos do SENHOR e não porque Satanás fosse um “servo fiel” ao seu desígnio como afirmam alguns … estes “mestres” que buscam “santificar” o diabo nada mais são que enganadores que se valem de falácias e sofismas para sustentar os seus argumentos; distorcem as Escrituras e mentem capciosamente; dessa forma acabam agindo como filhos do pai da mentira … visto que mentem como o próprio.

Afinal, desde quando um “servo obediente” necessita ser algemado e preso para que não faça as suas “funções”?! Pois se ele é mesmo obediente, bastaria dizer para que não mais o fizesse, não é mesmo?! Entretanto, não é o que está escrito …

Então, vi descer do céu um anjo; tinha na mão a chave do abismo e uma grande corrente. Ele segurou [ do grego κρατεω “krateo” … agarrar alguém a fim de mantê-lo sob domínio ] o dragão, a antiga serpente, que é o diabo, Satanás, e o prendeu por mil anos; lançou-o no abismo, fechou-o e pôs selo sobre ele, para que não mais enganasse as nações até se completarem os mil anos.” (Apocalipse 20:1-3a)

Que o SENHOR lhe proteja destes falsos mestres e lhe ilumine sempre com a verdade da Palavra! Tenha um dia abençoado e no refúgio das asas do Altíssimo! 🙏❤️

Juízo de Deus no Tempo da Graça

… se sofrer como cristão, não se envergonhe disso; antes, glorifique a Deus por meio desse nome. Porque o tempo de começar o juízo pela casa de Deus é chegado; ora, se primeiro vem por nós, qual será o fim daqueles que não obedecem ao evangelho de Deus?” (1 Pedro 4:16,17)

Se Deus não executa juízo, um julgamento condenatório no chamado “período da graça” como afirmam alguns, estes então deveriam avisar a Pedro que seu entendimento e afirmação nas Escrituras está errado, visto que Pedro afirma que o juízo teve seu início desde o período da igreja primitiva e, como o tempo do verbo em questão “toρξασθαι” está no aoristo infinitivo, isso indica que o juízo é um processo que apenas começara naquele tempo e que só culminaria em seu ápice futuramente, com a Segunda Vinda de Cristo. Isso denota que este processo ainda está vigente, operando em múltiplos níveis, atos e ciclos ( como nos anos Shemitah, por exemplo ) segundo a vontade do SENHOR, num processo crescente que deve culminar no Dia do SENHOR, por isso que esse texto de Pedro parece inferir Ezequiel 9 e culmina dizendo …

E, se é com dificuldade que o justo é salvo, onde vai comparecer o ímpio, sim, o pecador? ( aqui uma citação de Provérbios 11:31 entendida no contexto como ainda vigente e ocorrendo ) Por isso mesmo, aqueles que sofrem de acordo com a vontade de Deus devem confiar sua vida ao seu fiel Criador e praticar o bem.” (1 Pedro 4:18,19)
 

Em vista dessa assertiva de Pedro, podemos inferir que sim, o processo de juízo e/ou julgamento condenatório de Deus já opera em algum nível, incluindo e começando pela igreja ( a “casa de Deus”, uma referência ao Templo composto por “pedras vivas” ) e consequentemente abarcando aos ímpios no decorrer do processo. Essa assertiva de Pedro acaba por concordar com Paulo, quando este escreve …

quando julgados, somos disciplinados pelo Senhor, para não sermos condenados com o mundo.” (1 Coríntios 11:32)

Exceto alguém queira ousada e arrogantemente dizer que Pedro errou em sua interpretação dos fatos; visto que para Pedro a perseguição ainda nos primórdios da igreja, durante o seu tempo, era um claro indicativo desse processo; do juízo de Deus que já estava em andamento. Se assim o era no primeiro século, por que não o seria nos períodos posteriores também o mesmo ser executado segundo a vontade do SENHOR?! Ainda mais porque o fim desse processo é esperado apenas com os eventos que abrangem a volta do SENHOR.

Este texto de Pedro é apenas mais um exemplo de execução de juízo ocorrendo durante o “período da graça”, e ainda mais sobre a casa de Deus, a exemplo do que também é observado no que tange o caso de Ananias e Safira, porém o Novo Testamento também mostra execução de juízo sobre ímpios da mesma forma, como também está escrito …

Em dia designado, Herodes, vestido de trajo real, assentado no trono, dirigiu-lhes a palavra; e o povo clamava: É voz de um deus, e não de homem! No mesmo instante, um anjo do Senhor o feriu, por ele não haver dado glória a Deus; e, comido de vermes, expirou.” (Atos 12:21-23)

Tudo isso apenas denota que muitos nos tempos atuais, por não entenderem como Deus opera e ainda interage entre os homens, acabam fazendo afirmações que não coadunam com os relatos e textos das Escrituras, tal como afirmar que após a cruz não há juízo, exceto para o Dia para isso reservado que envolve os eventos da volta do SENHOR, porém estes não entendem nem a disciplina que Deus executa sobre os Seus filhos ( vide Hebreus 12:5-13 ) e nem o juízo de Deus que abrange a casa de Deus e os ímpios ( que não obedecem ao evangelho de Deus ) como bem já ressaltava o apóstolo Pedro inspirado pelo Espírito Santo …; e isto nesse tempo do evangelho, das boas-novas que começou com a morte e ressurreição de nosso SENHOR.

Alguns, ao invés de conhecerem a Deus e Suas ações de forma abrangente e já revelada nos textos, acabam por delimitar Deus por apenas um de Seus muitos atributos e com isso incorrem em enganos e distorções e, infelizmente não o fazem apenas para si mesmos, mas disseminam esses mesmos erros e distorções entre os seus seguidores.

Não é por acaso que vivemos tempos complicados, afinal esta era caminha para seu desfecho e ainda hoje esse texto permanece atual …

O Meu povo está sendo destruído, porque lhe falta o conhecimento.” (Oséias 4:6a)

Que o SENHOR lhe ilumine e abençoe ricamente! 🙏❤️

A Nudez de Noé e a Maldição de Canaã

A narrativa comprimida e um tanto obscura de Gênesis 9:20-27 tem sido um quebra-cabeça exegético desde a antiguidade. A dispersão da narrativa, com sua difícil característica e sugestões sutis de transgressão sexual, deixaram gerações de leitores e estudiosos achando que há mais na história do que o narrador deixou explícito. Como muitos apontaram, os debates interpretativos geralmente giram em torno de duas questões inter-relacionadas:
 
(1) a natureza da ofensa de Cam ( afinal, por que o fato de Cam “ver” a nudez de Noé mereceria uma maldição? ) e …
 
(2) a justificativa para o castigo de Canaã ( se Cam era o autor, por que então apenas Canaã, um dos quatro filhos de Cam, é que foi amaldiçoado? ).
 
Os contornos básicos da história (Gênesis 9:20-27) são bem conhecidos. Após o dilúvio, Noé planta uma vinha, bebe seu vinho, fica bêbado e se descobre em uma tenda (v. 21). Cam, identificado como o pai de Canaã, vê a nudez de seu pai ( no hebraico: וַיַּ֗רְא חָ֚ם אֲבִ֣י כְנַ֔עַן אֵ֖ת עֶרְוַ֣ת אָבִ֑יו ) e conta o fato aos seus irmãos do lado de fora (v. 22). Sem e Jafé pegam uma capa e entram na tenda de costas. Com os olhos desviados, eles cobrem o pai (v. 23). Quando Noé acorda, ele toma conhecimento do que Cam “fez com ele” ( no hebraico: עָ֥שָׂה־ל֖וֹ, v. 24). Ele então abençoa Sem e Jafé, mas amaldiçoa o filho mais novo de Cam, Canaã (vv. 25-27).
 
Os exegetas, desde a antiguidade, formularam algumas teorias para ação de Cam e a maldição de Canaã, as mais comuns são: voyeurismo, castração ou incesto paterno. Esta última explicação parece estar desfrutando de um renascimento de popularidade em alguns estudos recentes. Porém, existe uma quarta explicação possível para a ação de Cam: incesto materno; o que explica simultaneamente a gravidade da ofensa de Cam e a justificativa para a maldição de Canaã, que é fruto da união ilícita.
 
Para entender os argumentos dessa teoria é preciso primeiro revisar as explicações tradicionais para a ofensa de Cam, identificando as suas fraquezas. Em seguida, veremos a base exegética para a teoria do incesto materno. Em particular, veremos que os argumentos para a interpretação atualmente popular da ação de Cam como incesto paterno é mais adequada para apoiar a teoria do incesto materno.
 
As visões tradicionais
 
Voyeurismo
 
A visão de que a ofensa de Cam era voyeurismo – que ele não fez mais nada do que contemplar o seu pai nu – teve amplo apoio tanto na antiguidade quanto na modernidade. A força dessa posição é o seu conservadorismo: ela se recusa a ver qualquer coisa no texto que não seja explícita. No entanto, em certo sentido, o voyeurismo é uma explicação inexistente, pois falha em elucidar a gravidade da ofensa de Cam ou a razão da maldição de Canaã. Também exige que o intérprete assuma a existência de um tabu contra a visão acidental de se observar um pai nu que, de outra forma, não é atestado na literatura bíblica ou antiga do Oriente Médio. O acadêmico Donald J. Wold observa: “Os estudiosos que aceitam a visão literal (…) devem defender um costume sobre o qual nada sabemos”.
 
Alguns defensores dessa visão se contentam em aceitar as características desagradáveis da narrativa de Gênesis 9:20-27 como inexplicáveis e/ou arbitrárias. No entanto, aqueles exegetas que, através do trabalho de acadêmicos como Robert Alter, Michael Fishbane e outros, que têm passado a apreciar a arte literária e a sutileza dos autores bíblicos e o significado da intertextualidade bíblica dificilmente achará essa posição satisfatória. Há um reconhecimento crescente de que a narrativa do pentateuco raramente é descuidada ou arbitrária e possui ecos intertextuais ( a serem examinados a seguir ) e que raramente são coincidentes.
 
Castração
 
A visão rabínica tradicional de que Cam castrou Noé surgiu como uma tentativa de abordar as inadequações da interpretação voyeurística. Uma discussão clássica da visão é encontrada no Talmude em Sanhedrin 70a ( transcrito a seguir com minha tradução ):
 
E Noé despertou do seu vinho e soube o que seu filho mais novo lhe havia feito. [ Com relação ao último verso ] Rav e Samuel [ diferem ], um mantendo que ele o castrou, enquanto o outro diz que ele abusou sexualmente dele. Aquele que afirma que o castrou, [ raciocina assim: ] Desde que o amaldiçoou por seu quarto filho, ele deve tê-lo ferido em relação a um quarto filho. Mas quem diz que o abusou sexualmente faz uma analogia entre “e viu” escrito duas vezes. Aqui está escrito: E Cam, pai de Canaã, viu a nudez de seu pai; enquanto em outro lugar está escrito, e quando Siquém, filho do heveu Hamor, a viu [ ele a tomou, deitou-se com ela e a humilhou ] ( Gênesis 34:2). Isso indica que o termo “ver” denota uma relação sexual. Agora, na visão de que ele o emasculou [ castrou ], é certo que ele o amaldiçoou por seu quarto filho; mas, na opinião de que ele o sodomizou, por que ele amaldiçoou seu quarto filho? Ele deveria ter amaldiçoado diretamente a Cam.
 
Aqui vemos os sábios lutando com as duas questões do texto identificadas acima: a gravidade do pecado de Cam e a maldição de Canaã. Rav conclui que Cam deve ter castrado Noé. A favor da visão de Rav, pode-se citar exemplos da mitologia do Oriente Médio ( embora nenhum da Bíblia ) de um filho castrando o seu pai como parte de um esforço para usurpar a sua autoridade. Sugere uma possível motivação para o pecado de Cam e também fornece uma justificativa, embora complexa, para a maldição de Canaã: Noé amaldiçoa o quarto filho de Cam, já que Cam privou Noé de ter um quarto filho. O que falta, no entanto, é qualquer sugestão lexical no texto de Gênesis 9:20-27 que sugira castração.
 
Incesto paterno
 
A visão alternativa de Samuel em Sanhedrin 70a – a de que Cam abusou sexualmente de Noé – está desfrutando de um surpreendente ressurgimento contemporâneo, obtendo o apoio de vários acadêmicos que representam abordagens teológicas e metodológicas divergentes, mas que estão unidos pela convicção de que o autor literário de Gênesis transmite algo mais em Gênesis 9:20-27 do que uma simples leitura “voyeurista” que a passagem revela. Uma das defesas mais profundas dessa posição é a de Robert Gagnon em sua obra publicada “The Bible and Homosexual Practice”, mas outros defensores incluem Anthony Phillips, Devorah Steinmetz, Martti Nissinen, Donald J. W. E. Forrest, Ellen van Wolde e Susan Niditch que são simpáticas a idéia, se não até comprometidas com essa visão.
 
Como apontaram Hermann Gunkel, Gagnon e muitos outros, a maneira como o texto descreve Noé como percebendo “o que seu filho mais novo havia feito com ele” sugere alguma ação mais substancial do que a visão passiva. Ela sugere um ato ou ação de que Noé foi o destinatário ou vítima. De fato, acontece que a frase usada para descrever a transgressão de Cam – “ver a nudez do pai” – é uma expressão idiomática para uma relação sexual. Levítico 20:17 iguala as expressões idiomáticas “ver a nudez” e “descobrir a nudez“:
 
וְאִ֣ישׁ אֲשֶׁר־יִקַּ֣ח אֶת־אֲחֹת֡וֹ בַּת־אָבִ֣יו א֣וֹ בַת־אִ֠מּוֹ וְרָאָ֨ה אֶת־עֶרְוָתָ֜הּ וְהִֽיא־תִרְאֶ֤ה אֶת־עֶרְוָתוֹ֙ חֶ֣סֶד ה֔וּא וְנִ֨כְרְת֔וּ לְעֵינֵ֖י בְּנֵ֣י עַמָּ֑ם עֶרְוַ֧ת אֲחֹת֛וֹ גִּלָּ֖ה עֲוֺנ֥וֹ יִשָּֽׂא
 
Se um homem tomar a sua irmã, filha de seu pai ou filha de sua mãe, e vir a nudez dela, e ela vir a dele, torpeza é; portanto, serão eliminados na presença dos filhos do seu povo; descobriu a nudez de sua irmã; levará sobre si a sua iniqüidade.” (Levítico 20:17)
 
A frase “descobrir a nudez“, por sua vez, é a expressão usual para a relação sexual no Código de Santidade registrado no Pentateuco:
 
Nenhum homem se chegará a qualquer parenta da sua carne, para lhe descobrir a nudez. Eu sou o SENHOR.” (Levítico 18:6)
 
A mesma linguagem ocorre nas descrições de promiscuidade sexual e violência sexual em Ezequiel 16:36-37; 22:10; 23:10,18,29. Assim, de uma perspectiva intertextual, a descrição do ato de Cam como “ver a nudez de seu pai” implica mais do que uma “visão” literal.
 
Além do uso da frase “ver a nudez” no hebraico, existem outros lexemes carregados eroticamente em Gênesis 9:20-27 que sugerem uma situação de transgressão sexual. O vinho, por exemplo, está intimamente ligado à sexualidade na literatura bíblica e antiga do Oriente Médio. Significativamente, a única outra referência à embriaguez em Gênesis também ocorre no contexto do incesto entre pais e filhos: Gênesis 19:30-38, no relato da relação de Ló com suas filhas como a origem de Moabe e Amom. O Cântico dos Cânticos está repleto de imagens de vinho como um símbolo da sexualidade e – surpreendentemente – a vinha como um local para fazer amor. O consumo de vinho funciona como um prelúdio para a relação sexual no livro de Cântico dos Cânticos (8:2) e nos tratos de Davi com Urias, o heteu (2 Samuel 11). Urias se recusa a ir para casa, onde ele “beberia vinho e deitaria com sua esposa” (2 Samuel 11:11), então Davi o embebeda na esperança de que ele retorne para a esposa e tenha relações com ela.
 
Além da vinha e do vinho, existe a palavra usada para Noé despir-se ou “descobrir-se” ( וַיִּתְגַּ֖ל ). Esta raiz é usada extensivamente em Levítico 18 e 20 e em várias passagens de Ezequiel, geralmente em combinação para designar intercurso sexual ilícito ( geralmente incestuoso ), e também nos dois versículos de Deuteronômio que condenam o incesto entre pais e filhos (Dt 22:30 e 27:20). Normalmente, o despir-se de Noé é pensado apenas como sendo resultado de sua embriaguez, mas os indivíduos normalmente não se despem simplesmente porque estão bêbados. Noé “se descobrindo” ( se despindo ) na tenda certamente carrega conotações eróticas. O acadêmico Steinmetz comenta: “‘ver’ a nudez é mais do que ver, ‘descobrir’ é mais do que descobrir.”
 
Quando Gênesis 9:20-27 é entendido como um caso de incesto entre pai e filho, de repente se tornam aparentes e perceptíveis as ligações literárias com outros relatos em Gênesis e no resto do Pentateuco. Por exemplo, vários críticos narrativos sugeriram que Gênesis 9:20-27 está intimamente ligado a Gênesis 6:1-4, a história da relação sexual dos “filhos de Deus” com as “filhas dos homens”. Um relato introduz a narrativa do dilúvio e o outro relato a conclui; Gênesis 5:32 continua em Gênesis 9:28-29, formando um incluso em torno das duas histórias. Quando Gênesis 9:22 é entendido como incesto paterno, fica bem claro que as duas histórias são unidas pelo tema das relações sexuais ilícitas.
 
Da mesma forma, os estudiosos Niditch, Steinmetz, Kunin e muitos outros veem ligações temáticas entre Gênesis 9:20-27 e Gênesis 19:30-38, com a história das filhas de Ló e a procriação de Moabe e Amom. As semelhanças entre os dois relatos são numerosos: na sequência de um julgamento divino calamitoso, instigado pela maldade dos homens – especialmente a maldade sexual (conforme Gênesis 6:4; 19:5), que destrói a terra ou grande parte dela – um patriarca idoso está bêbado, facilitando a relação entre pais e filhos, dando origem a um ou mais inimigos tradicionais de Israel (Canaã, Moabe e Amom). Os paralelos dificilmente parecem coincidentes. Steinmetz ressalta que “o paralelo entre a história de Ló e a história da vinha confirma a implicação de uma violação sexual de Noé por seu filho“.
 
Muitos estudiosos observaram uma relação entre Gênesis 9:20-27 e Levítico, capítulos 18 e 20. Levítico 18 e 20 estão intimamente ligados, o capítulo 20 especifica as penalidades pelos pecados descritos no capítulo 18. Ambos os capítulos estão ligados a Gênesis 9:20-27 pelas palavras, expressões e frases no hebraico “descobrir“, “nudez do pai” e “ver nudez“. Além disso, Levítico 18 abre com um aviso para não imitar as práticas dos habitantes de Canaã ou do Egito, os dois descendentes mais proeminentes de Cam (v. 3, cf. Gênesis 10:6). Vários comentaristas entendem a introdução de Levítico 18 (vv. 1-5) como referindo-se à violação de Noé por Cam, argumentando que ambos os capítulos 18 e 20 são uma reflexão, em termos legais, sobre Gênesis 9:20-27 ou que Gênesis 9:20-27 é uma narrativa etiológica baseada no relato de Levítico 18:1-8.
 
Uma situação semelhante existe em relação a Deuteronômio 22:30:
 
לֹא־יִקַּ֥ח אִ֖ישׁ אֶת־אֵ֣שֶׁת אָבִ֑יו וְלֹ֥א יְגַלֶּ֖ה כְּנַ֥ף אָבִֽיו
 
“Nenhum homem tomará sua madrasta e não profanará o leito de seu pai.” (Deuteronômio 22:30)
 
O acadêmico Anthony Phillips (“Uncovering the Father’s Skirt”, 250) , argumenta:
 
Deuteronômio 22:30 é uma deliberação intencional do deuteronomista e faz parte de seu material anti-cananeu. Foi acrescentado no topo da lista de relações sexuais proibidas em Lv 18:7-23 que os cananeus, antigos habitantes da terra, se comprometeram (Lv 18:24-30) porque nenhum relacionamento era mais repugnante para os israelitas do que aquele associado a Cam, pai de Canaã.
 
Phillips considera o pecado de Cam em Gênesis 9:20-27 como incesto paterno e argumenta que Deuteronômio 22:30 deve ser entendido literalmente, como se referindo às relações sexuais com o pai. Além de esclarecer as ligações entre Gênesis 9:20-27 e outros textos pentateucais relacionados, os defensores da teoria do incesto paterno apontam que sua visão oferece uma possível motivação para a ação de Cam. Humilhando o seu pai, Cam esperava usurpar a autoridade de seu pai e deslocar seus irmãos mais velhos na hierarquia familiar. Martti Nissinen (“Homoeroticism in the Biblical World”, 53), observa que a história “não fala da orientação homossexual de Cam, mas de sua fome de poder“. Isso explica porque Cam prontamente informou aos seus irmãos do que havia feito (Gênesis 9:22b).
 
Uma objeção óbvia à visão do incesto paterno é que a ação dos irmãos no v. 23 indica que a nudez de Noé era literal; assim, Cam “ver” no v. 22 deve ser encarado literalmente (como voyeurismo), em vez de idiomático (como relação sexual). Mas a objeção não é conclusiva. Robert A. J. Gagnon (“The Bible and Homosexual Practice”, 67) comenta a importância do v. 23:
 
As ações dos irmãos em “cobrir a nudez do pai” e se esforçar muito para não olhar para o pai são compatíveis com a interpretação de “ver a nudez do outro” como relação sexual. As ações dos irmãos jogam no significado mais amplo da frase. Não apenas os irmãos não “viram a nudez de seu pai” no sentido de ter relações sexuais com ele, mas também não ousaram “ver a nudez de seu pai” em um sentido literal. Onde o ato de Cam era extremamente mau, o gesto dos irmãos era extremamente piedoso e nobre.
 
Da mesma forma, Devorah Steinmetz (“Vineyard, Farm, and Garden: The Drunkenness of Noah in the Context of Primeval History”), reconhece que o v. 23 “apóia a idéia de que a violação sexual tem implicações mais amplas do que qualquer ato físico que possa estar envolvido“, no entanto, não considera que a ação de Sem e Jafé “negue a implicação da imoralidade sexual nesse processo da história”.
 
Para resumir, a interpretação da ação de Cam como incesto paterno é apoiada pelo significado idiomático da frase “ver a nudez do pai” e os tons eróticos do texto. Tem o valor heurístico de esclarecer e mostrar relações intertextuais entre Gênesis 9:20-27 e Gênesis 6:1-4; 19:30-38; Levítico 18; 20; e Deuteronômio 22:30. Também fornece uma possível explicação para a motivação de Cam. No entanto, não aborda a lógica da maldição de Canaã.
 
Os argumentos que os estudiosos acadêmicos organizaram em favor da teoria do incesto paterno são substantivos. As imagens eróticas do texto, o significado idiomático de “ver a nudez”, os paralelos com outros textos pentateucais e a natureza da ação de Cam como uma peça de poder político-familiar parece apoiar a suposição de que Cam cometeu um ato incestuoso. Manter em face dessa evidência que Cam apenas olhou para Noé é dar ouvidos surdos às nuances literárias da narrativa. No que se segue, no entanto, será demonstrado que em quase todos os casos, esses argumentos para o incesto paterno são mais adequados para argumentar sobre o incesto materno.
 
A visão do incesto materno
 
Começamos com o significado idiomático da frase em hebraico “ver a nudez do pai” (v. 22). Os proponentes da teoria do incesto paterno estão corretos para equiparar essa expressão no hebraico com “descobrir a nudez” em Levítico 20:17, entendendo ambos como eufemismos para a relação sexual. Contudo, pode-se levar esse insight válido a um passo adiante, reconhecendo que em todos os textos relevantes,essa expressão está associada à atividade heterossexual, e “a nudez do pai” na verdade se refere “à nudez da mãe“. Por exemplo, em Levítico 18:7,8, a “nudez do seu pai” é definida como “a nudez de sua mãe“:
 
עֶרְוַ֥ת אָבִ֛יךָ וְעֶרְוַ֥ת אִמְּךָ֖ לֹ֣א תְגַלֵּ֑ה אִמְּךָ֣ הִ֔וא לֹ֥א תְגַלֶּ֖ה עֶרְוָתָֽהּ׃ ס
עֶרְוַ֥ת אֵֽשֶׁת־אָבִ֖יךָ לֹ֣א תְגַלֵּ֑ה עֶרְוַ֥ת אָבִ֖יךָ הִֽוא׃ ס
 
Não descobrirás a nudez de teu pai e de tua mãe; ela é tua mãe; não lhe descobrirás a nudez. Não descobrirás a nudez da mulher de teu pai; é nudez de teu pai.” (Levítico 18:7,8)
 
Da mesma forma, Levítico 18:14,16; 20:11,30 21 descrevem a nudez de uma mulher como a nudez de seu marido. A mesma lógica está em ação em Deuteronômio 22:30 e 27:20, que descreve a relação com a esposa do pai como “descobrindo a nudez do pai“.
 
Pelo contrário, os dois versículos no Pentateuco que condenam as relações homossexuais (Levítico 18:22 e 20:13) usam o verbo שׂכב ( shakab ), e não גלה ( galah ) como em Gênesis 9:21-23. Nenhuma combinação dos termos é encontrada associada a relações homossexuais em qualquer lugar da Bíblia.
 
Portanto, a frase em hebraico “ver a nudez do pai” em Gênesis 9:22 é um eufemismo para relações sexuais de fato, mas relações heterossexuais em vez de homossexuais. Se levarmos em conta a nuance do idioma bíblico, a afirmação de que Cam “viu a nudez de seu pai” implica relações com a esposa de Noé, presumivelmente a mãe de Cam. Isso é sustentado pelo fato de que as imagens da vinha e do vinho estão associadas apenas à relação heterossexual na Bíblia, seja na história de Ló e suas filhas (Gênesis 19:30-38), Davi-Urias-Batseba (2 Sam 11), ou o Cântico dos Cânticos (Cânticos 1:2,4; 2:4; 4:10; 5:1; 7:9; 8:2). Por exemplo, o autor de Cânticos canta relações entre homens e mulheres quando ele (ou ela) exclama: “seus beijos são como o melhor vinho” (7:9) e “vamos sair cedo para as vinhas. … ali dar-te-ei o meu amor” (7:12).
 
É salutar lembrar que em Gênesis 9:1-17, no relato imediatamente antes da narrativa em discussão, Noé e seus filhos recebem duas vezes o comando para “ser fecundo e multiplicar” (9:1,7). Gênesis 9:19 (“deles toda a terra foi povoada“) sugere que os filhos cumpriram esse comando e Gênesis 9:18,22 enfatizam o papel de Cam como progenitor de Canaã. Portanto, não é irracional interpretar as ações de Noé e Cam em Gênesis 9:20-22 no contexto de atividade procriativa, mesmo que imperfeita ou distorcida, Noé bebeu e despiu-se em um esforço para procriar; Cam interveio e conseguiu.
 
Especificamente, se a ação de Cam é entendida como incesto materno, torna-se possível explicar a origem de Canaã como fruto dessa união. Esse insight ilumina repentinamente dois aspectos do texto deixados sem resposta pelos teóricos do incesto paterno: por que Canaã é amaldiçoado e por que Cam é repetidamente identificado como “o pai de Canaã”?! Canaã é amaldiçoado porque sua origem foi um ato vil e de tabu por parte de seu pai. Cam é repetidamente, e aparentemente de modo supérfluo, identificado como “o pai de Canaã” (vv. 18 e 22) porque o narrador deseja sinalizar ao leitor que essa narrativa explica como Cam se tornou “o pai de Canaã”. Ellen van Wolde, (“Stories of the Beginning: Genesis 1-11 and Other Creation Stories”, 146), observa:
 
O texto é aberto … Cam era pai de Canaã (9:18). É impressionante que Cam seja nomeado pai no exato momento em que é apresentado como filho. Mais tarde, na transgressão de Cam, acontece exatamente a mesma coisa: “Cam, o pai de Canan, viu a nudez de seu pai” (9:22). Parece um tanto estúpido. … Evidentemente, o texto quer colocar toda a ênfase na paternidade de Cam, ou melhor, pelo fato de ele ser o pai de Canaã.
 
A repetição não é estúpida, no entanto, se o relato está explicando como Cam tornou-se pai de Canaã.
 
Uma vez que a ofensa de Cam seja entendida como heterossexual e procriadora (de Canaã), os elos que os teóricos do incesto paterno reconhecem entre Gênesis 9:20-27 e Gênesis 6:1-4; 19:30-38; Levítico, capítulos 18 e 20; Deuteronômio 22:30 e 27:20 são esclarecidos e fortalecidos. Todas essas outras passagens dizem respeito a relações heterossexuais.
 
Como mencionado acima, os estudiosos observam corretamente uma polêmica Camítica e anti-cananita nas leis de Santidade do Pentateuco proibindo o incesto (Levítico 18; Deuteronômio 22:30; 27:20), mas as categorias de incesto listadas são associados com as nações Camíticas de Canaã e do Egito vinculada com a esposa do pai (Levítico 18:6,7), que também é assunto de Deuteronômio 22:30 e 27:20; um vínculo lógico entre essas leis e Gênesis 9:20-27 pode estar presente se o pecado de Cam for um incesto materno.
 
Há uma justificativa por trás da atribuição das origens de Canaã e Moabe/Amom a diferentes formas de incesto (filho-mãe versus filha-pai). As origens dos cananeus, para as quais as tradições israelitas freqüentemente dirigem o antagonismo mais profundo, enquanto Moabe e Amom, com quem o antagonismo foi um pouco menor, têm origem em transgressões menos graves. As relações entre pai e filha, embora certamente transgressivas, eram menos graves na antiga sociedade israelense e do Oriente Médio do que as relações entre filho e mãe. Apesar de que ambos foram proibidos (Levítico 18:7,8,17), a mãe ameaçava abertamente a estrutura de autoridade patriarcal da família ou do clã. F. W. Basset (“Noah’s Nakedness,” 236) observa: “Um filho que mantém relações sexuais com sua mãe ou madrasta comete um pecado rebelde contra o seu pai, uma vez que a posse da esposa do homem também é vista como um esforço para suplantar o próprio homem”.
 
Assim, Nissinen e Gagnon podem estar corretos ao ver o ato sexual transgressivo de Cam como uma tentativa de usurpar a autoridade patriarcal de Noé. No antigo oriente há atestados históricos abundantes de que dormir com a própria esposa do pai era visto como um meio de usurpação de autoridade.
 
Absalão e seu ato infame de possuir publicamente as concubinas de seu pai (2 Samuel 16:20-23), as relações de Rubens com Bila (Gênesis 35:22; 49:3,4), a aquisição de Davi das concubinas de Saul (2 Samuel 12:8), de Adonias que tenta adquirir a esposa de Davi, Abisague (1 Reis 2:13-25); são todos exemplos notáveis de um filho tentando derrubar seu pai por meio de relações com o(s) consorte(s) paterno(s). Ezequiel repreende seus contemporâneos por cometer esse pecado (Ezequiel 22:10).
 
Quanto à literatura antiga do Oriente Médio, existe o mito de Baal-Hadad, que castra El e toma a esposa de El, Asherah, como sua em um esforço para adquirir a autoridade real de seu pai; e de um conto sumério semelhante no qual o deus do vento Enlil – o filho do deus do céu An e da deusa da terra Ki – separa seus pais e foge com sua mãe, substituindo An como chefe do panteão sumério. Um paralelo grego óbvio para a usurpação da posição do pai através (entre outras coisas) da mãe é o mito de Édipo.
 
Colocar o incesto materno de Cam na estrutura mais ampla do antigo conceito do Oriente Médio de suplantar um homem (ou mais exatamente, um pai) dormindo com suas esposas valida o instinto de Nissinen e Gagnon de que a ação de Cam não era primariamente uma luxúria ou uma malevolência caprichosa, mas uma peça de poder político-familiar, uma tentativa de adquirir a autoridade de seu pai e contornar os direitos de seus irmãos mais velhos, a quem ele imediatamente informa sobre o que fez (v. 22b).
 
Até agora, vimos que a visão do incesto materno, em comparação com a teoria do incesto paterno, leva mais em conta a nuance do idioma hebraico que reconhece o erotismo heterossexual de certos termos no texto, oferece uma justificativa para a maldição de Canaã; o que esclarece e fortalece os vínculos temáticos entre Gênesis 9:20-27 e outras passagens pentateucais obviamente relacionadas e fornece um melhor relato da motivação e do modus operandi de Cam, apoiados por análogos bíblicos e antigos do Oriente Médio.
 
Resta explicar como exatamente a história deve ser lida se o pecado de Cam for incesto materno. Talvez da seguinte maneira: Noé fica bêbado e tira as suas vestes em “sua tenda” em preparação para a relação sexual, mas é incapacitado por sua embriaguez (v. 21). Cam entra e “vê a nudez de seu pai”, isto é, se relaciona com a esposa de seu pai (v. 22a, uma expressão idiomática para a esposa de Noé que é análogo de Levítico 18:7,8). Ele sai e informa aos seus irmãos de seu domínio do poder familiar (v. 22b), talvez produzindo uma peça de roupa como prova de sua reivindicação. Os irmãos, por sua vez, agem com excessivo cuidado paternal, deferência e piedade em devolver “o vestuário” ao pai humilhado, evitando não apenas a “visão figurativa da nudez do pai” (isto é, o incesto materno), mas também o literal. Após o evento, Noé amaldiçoa o produto da união ilícita de Cam, a saber, Canaã, e abençoa Sem e Jafé por sua piedade.
 
A mesma objeção pode ser levantada contra essa leitura que foi levantada contra a teoria do incesto paterno, a saber, a ação dos irmãos no v. 23 indica que a nudez de Noé deve ser considerada literal e não idiomática no v. 22. A ação dos irmãos se baseia no sentido mais amplo da expressão “ver a nudez”. Não apenas eles “não vêem a nudez do pai” no sentido de terem relações sexuais com a esposa; eles também abstêm-se de ver sua nudez literal e, ao cobri-lo com uma roupa, restauram para ele uma medida da maldade danificada pela tentativa de usurpação de Cam.
 
Também foi levantada a objeção de que os versículos 24 e 25 implicam que Noé proferiu a maldição sobre Canaã imediatamente, antes dos nove meses necessários para ele nascer de acordo com a teoria do incesto materno. Mas o narrador pode simplesmente ter compactado a cronologia neste momento, como em qualquer outro lugar. Afinal, Gênesis 5:32 (“Depois que Noé tinha quinhentos anos, Noé se tornou pai de Sem, Cam e Jafé”) não deve ser entendido como se a esposa de Noé tivesse trigêmeos logo após seu quinquagésimo aniversário, visto que a diferença de idades entre o mais velho e o mais novo são de mais de dois anos, no mínimo, como pode ser observado no relato do aniversário de cem anos de Sem (Gênesis 11:10), dois anos após o Dilúvio que ocorreu quando Noé tinha seiscentos anos (Gênesis 7:6).
 
No entanto, parece que, se a teoria do incesto materno é correta, o texto foi elidido ou compactado. O público antigo pode ter conhecido todos os detalhes da história pela tradição e, portanto, não exigiria uma narrativa mais explícita, ou a narrativa pode ter sido editada com um tom eufemístico, em deferência à reputação do patriarca e da matriarca. De qualquer forma, dadas as complexidades da transmissão dessas tradições na antiguidade, não é difícil imaginar que houve supressão ou compressão narrativa.
 
Conclusão
 
Na revisão das várias opções interpretativas para Gênesis 9:20-27 foi observado que a posição voyeurista, que entende a ação de Cam como nada mais do que olhar, falha em explicar a gravidade do pecado de Cam e a maldição de Canaã. A visão de castração sofre com a falta de suporte textual. A atualmente popular interpretação do incesto paterno elucida grande parte do caso exceto a maldição de Canaã, mas em quase todos os casos as evidências reunidas para essa visão realmente se adequam melhor à teoria do incesto materno.
 
As forças heurísticas da interpretação do incesto materno são múltiplas: explica (1) a gravidade do pecado de Cam, (2) a justificativa para a maldição de Canaã em vez de Cam, (3) a motivação de Cam para cometer sua ofensa, (4) a repetição textual de “Cam, pai de Canaã” e (5) a linguagem carregada sexualmente da passagem. Além disso, é fácil encontrar análogos bíblicos e antigos do Oriente Médio para o pecado de Cam; e as passagens relacionadas do Pentateuco se encaixam de maneira também mais elegante nessa interpretação.
 
 
 
* Artigo adaptado do “Journal of Biblical Literature”, JBL 124/1 (2005) 25-40