Hesitação da Turquia, que é membro da OTAN, levanta questões sobre seus motivos
F. Michael Maloof
WASHINGTON, EUA — Tem havido uma crescente preocupação com a falta de participação da Turquia — um membro da Organização do Tratado do Atlântico Norte — na coalizão liderada pelos Estados Unidos para atacar o ISIS, mas a razão para a Turquia não querer participar se tornou mais evidente.
O presidente Obama e o presidente turco Erdogan |
Em primeiro lugar, a Turquia não toma medidas porque o ISIS, que agora se chama Estado Islâmico, tinha feito refém 49 de seus diplomatas que foram capturados quando o ISIS repentinamente invadiu o Iraque a partir da Síria, em junho passado, e tomou conta da cidade de Mosul.
No entanto, os diplomatas foram libertos em circunstâncias misteriosas. O ISIS diz que eles foram trocados por 180 combatentes do ISIS, mas as autoridades turcas nem confirmam e nem negam a alegação.
Na recente reunião de Paris das potências ocidentais para discutirem como derrotar o ISIS, o ministro turco das Relações Exteriores, Mevlut Cavusoglu, deixou claro que a prioridade da Turquia não era a eliminação do ISIS, mas derrubar o governo do presidente sírio, Bashar al-Assad.
Segundo fontes bem informadas, Cavusoglu acusou que Assad era o responsável pela criação do ISIS. A única maneira de eliminar o grupo jihadista sunita extremista, disse ele, era eliminar as suas causas profundas, citando a necessidade de um governo completo no Iraque e a derrubada de Assad como prioridades necessárias.
Problema do Curdistão
Além disso, a Turquia vem buscando que o ISIS cuide de outro problema que, dizem as fontes, é mais crucial para o governo turco do que o grupo jihadista sunita. A preocupação gira em torno do Partido do Trabalhadores do Curdistão (conhecido pela sigla PKK) que foi declarado ilegal. Historicamente, o PKK tem buscado uma parte da Turquia para formar o país independente do Curdistão.
Os curdos têm procurado esculpir seu próprio país a partir da parte oriental da Turquia, do nordeste da Síria, do norte do Iraque e do noroeste do Irã.
Membros do PKK têm deixado a Turquia para se juntarem aos curdos no Iraque para combaterem o ISIS, que procura tomar o seu território e junto com isso a produção de petróleo e refinarias, especialmente em torno de Kirkuk.
Fontes dizem que os turcos acreditam que a coalizão contra o ISIS não só irá dar uma nova legitimidade para Assad, mas irá capacitar o PKK como parte da coalizão.
Os EUA começaram a fornecer armas aos curdos iraquianos para lutarem contra o ISIS e defenderem seu território e recursos, um acontecimento que está causando tensão nas relações entre EUA e Turquia.
Existem alguns relatos não confirmados de que a Turquia tem fornecido armas ao ISIS para lutarem contra os curdos. Um relatório disse que um trem da Turquia estava carregado de munições e armas para o ISIS para sitiar a Kobane, uma cidade curda perto de Aleppo, na Síria. Até o momento, no entanto, o governo turco não negou tal afirmação.
Perante a persistência de guerra do governo turco com o PKK, Cemil Bayik, um alto comandante do PKK, disse que o governo turco tinha “eliminado” as condições de um acordo de cessar-fogo mútuo de 18 meses. Como consequência, iria “intensificar a sua luta em todas as áreas e por todos os meios possíveis”.
Se isso ocorrer, o governo turco poderia procurar o ISIS para ajudar a eliminar o seu problema com o PKK.
“O que surgiu é que a Turquia continua suas relações com Daesh e que a Turquia não vai resolver o problema curdo no norte do país”, disse Bayik Al-Monitor em uma entrevista.
Daesh é a sigla para o ISIS em árabe.
Bayik disse que a Turquia “apoia os ataques de Daesh contra Kobane, que busca despovoar Kobane e faz lobby para o estabelecimento de uma zona de barreira e não pode cortar laços com o Daesh.”
“Porque se o fizesse, o Daesh exporia toda a roupa suja da Turquia, e os documentos que ligam um ao outro”, explicou.
“Todos os meios necessários”
Na reunião de Paris, cerca de 30 países se comprometeram a usar “todos os meios necessários” para derrotarem o ISIS, incluindo deter as fontes de seu financiamento. No entanto, a Turquia não foi um dos signatários do compromisso. Em sua determinação de eliminar Assad, a Turquia tem apoiado os grupos jihadistas, cujos combatentes mais tarde se transformaram em combatentes do ISIS.
Os comentários de Çavuşoğlu pareciam refletir algumas das visões populares na Turquia, tal como foram apresentadas em um editorial do jornal turco Hurriyet Daily, antes da Conferência de Paris sobre o ISIS.
“A conferência internacional que será realizada sob a liderança da França em Paris, em 15 de setembro é improvável que mude a posição da Turquia diante da campanha militar internacional contra o Estado Islâmico do Iraque e do Levante (ISIL), de acordo com um oficial turco… O Ministro das Relações Exteriores, Mevlut Cavusoglu, que vai representar a Turquia na conferência, irá sublinhar a necessidade de ‘eliminação absoluta das causas centrais do ISIL’, citando a formação de um governo inclusivo no Iraque e a derrubada do regime de Bashar al-Assad na Síria como prioridades necessárias para alcançar esse fim “.
O Hurriyet Daily acrescentou que a posição da Turquia em relação ao ISIS tem o apoio do povo turco em ficar de fora da coalizão anti-ISIS liderada pelos Estados Unidos. Essa posição também reflete-se pela Turquia ser um canal contínuo para ajuda ao ISIS em arrecadar fundos e usar as áreas ocupadas pelo ISIS no Iraque para incentivar as empresas turcas.
Apesar dos desmentidos, a Turquia continua a ser um meio de lavar dinheiro e para a venda, no mercado negro dentro da Turquia e em regiões vizinhas, do petróleo capturado pelo ISIS na Síria e no Iraque.
Fontes dizem que o ISIS lucra cerca de US$ 30 milhões por mês a partir de tais vendas no mercado negro, já que o petróleo que vende é menos da metade do preço do mercado global. Essas fontes acrescentam que a principal beneficiária do corte no preço do petróleo é a própria Turquia.
O preço de mercado do barril de Petróleo Cru, a partir do final de agosto, era em torno de 102 dólares o barril. No entanto, o ISIS está vendendo o petróleo de US$ 25 a US$ 60 o barril. As fontes dizem que essas vendas não afetaram os preços globais do petróleo já que a maior parte do petróleo no mercado negro nunca deixa a Turquia.
Essas vendas abaixo do mercado de petróleo pelo ISIS continuam apesar do bombardeio contínuo dos EUA aos chamados poços de petróleo móveis do ISIS, especialmente na Síria.
O petróleo para a Turquia atravessa a região sul, a qual o ISIS já designou para se tornar parte de seu califado, abrangendo o noroeste da Síria até o oeste e a parte central do Iraque.
“Países como a Turquia têm feito vista grossa para a prática e a pressão internacional deve ser criada para fechar os mercados negros na sua região sul”, de acordo com Lusay Al Khatteeb do Brookings Doha Center.
“A parte do norte do Iraque, o sul da Turquia e o leste da Síria são conhecidos historicamente por contrabando”, disse Khatteeb. “No início, essas gangues costumavam contrabandear mercadorias. Agora, têm evoluído para o comércio de petróleo”.
Tendo em conta que o preço reduzido do petróleo é muito melhor do que aquilo que a Turquia, faminta por energia, tem de pagar no mercado internacional, as autoridades turcas estão relutantes de desligar esta fonte vital de petróleo.
Fontes dizem que o ISIS atualmente controla cerca de 60 por cento dos campos de petróleo no leste da Síria, sete campos de petróleo e duas refinarias no Iraque.
Como o site WND informou recentemente, as empresas turcas também estão atendendo a uma chamada do ISIS para investirem nas áreas que o ISIS adquiriu no Iraque.
O Ministro da Economia da Turquia, Nihat Zeybekci, manifestou interesse em incentivar as empresas turcas a investirem em regiões ocupadas pelo ISIS no Iraque.
“Nossas exportações para o Iraque agora são de até 35 por cento, mas o Iraque não pode facilmente substituir outras fontes”, disse Neybekci.
“Nós achamos que haverá um crescimento acelerado na demanda em breve”, disse ele. “Também sabemos que o [ISIS] está em contato com empresários turcos individuais e dizendo-lhes: ‘Volte, não vamos interferir’. Isso não é fácil, é claro. Mas quando o futuro Iraque for reconstruído, quem fará isso será a Turquia”.
Traduzido por mim do artigo do WND: Turkey backs ISIS to eliminate Assad
Fonte: www.juliosevero.com